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Viagem com Tânia por um mar desconhecido...

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     A mente que deseja compreender um problema deve não apenas se limitar a compreendê-lo completamente, integralmente, mas também deve ser capaz de seguí-lo com presteza, pois o problema nunca é estático. O problema é sempre novo, seja ele um problema de fome, um psicológico, ou qualquer outro tipo de problema. Qualquer crise é sempre nova; portanto, para compreendê-la, a mente precisa estar sempre fresca, clara, suave em sua busca. Acredito que a maioria de nós reconhece a urgência de uma revolução interior, única maneira de conseguir uma mudança radical no que é exterior, na sociedade. Esse é o problema que preocupa a todos os que têm intenções sérias. Como produzir na sociedade uma mudança radical, fundamental, eis o nosso problema; e essa mudança do exterior não pode acontecer sem antes ter ocorrido uma revolução interior. Uma vez que a sociedade é sempre estática, qualquer ação, qualquer reforma efetuada sem essa revolução interior torna-se igualmente estática; assim, sem essa constante revolução interior não há esperança, porque, sem ela, a ação exterior se torna repetitiva, habitual. A ação do relacionamento entre você e um outro, entre você e eu, é a sociedade; e, enquanto não houver essa constante revolução interior, enquanto não houver uma transformação psicológica criativa, essa sociedade se torna estática, não tem qualidade de vida. E, exatamente pelo fato de não existir essa revolução interior constante, a sociedade está se tornando cada vez mais estática, cristalizada, e vem, portanto, se desagregando constantemente.
     Qual o relacionamento que existe entre você e a miséria, entre você e a confusão, a que existe em você e ao seu redor? Certamente essa confusão, essa desgraça, não se criou por sí própria. Você e eu a criamos; não foi uma sociedade capitalista ou socialista ou fascista, mas você e eu a criamos no nosso relacionamento um com o outro. O que você é interiormente tem sido projetado no exterior, no mundo; o que você é, o que você pensa e o que você sente, o que você faz na sua vida diária, tudo isso é projetado externamente, e isso constitui o mundo. Se somos desgraçados, confusos e caóticos no nosso interior, pela projeção, tudo isso vem a ser o mundo, a sociedade, porque o relacionamento entre você e eu, entre mim e um outro, é a sociedade - e se nosso relacionamento é confuso, egocêntrico, estreito, limitado, racional, nós projetamos isso e trazemos o caos para o mundo.
O mundo é o que você é. Então o seu problema é problema do mundo. Certamente esse é um fato básico e simples, não é verdade? No nosso relacionamento comum ou com muitos, parece que esquecemos sempre esse ponto. Queremos produzir alterações através de um sistema ou através de uma revolução de idéias e valores baseada num sistema, esquecendo que somos você e eu que criamos a sociedade, que produzimos a confusão ou a ordem, dependendo da forma como vivemos. Sendo assim, é preciso começar pelo que está perto, ou seja, devemos nos preocupar com a nossa existência diária, com os nossos pensamentos, ações e sentimentos diários, que se revelam na maneira pela qual ganhamos a vida e no nosso relacionamento com as idéias e as crenças. Isso é a nossa existência diária, não é? Estamos preocupados em viver, em conseguir empregos, em ganhar dinheiro; estamos preocupados com o relacionamento com a nossa família ou com os nossos vizinhos; e estamos preocupados com idéias e com crenças.
     Bem, se você examinar o seu trabalho, descobrirá que ele se baseia principalmente na inveja; que ele não é apenas um meio de ganhar a vida. A sociedade é construída de tal forma que se constitui num processo de conflito constante, de constante evolução; ela se baseia na cobiça, na inveja - inveja do seu superior; o funcionário quer se tornar gerente, um pequeno exemplo, o que demonstra que ele não está apenas preocupado em ganhar a vida ou com um meio de subsistência, mas também em conquistar posição e prestígio. Essa atitude naturalmente cria confusão na sociedade, nos relacionamentos, mas se você e eu estivéssemos preocupados exclusivamente com viver, descobriríamos as formas corretas de garanti-lo, formas não baseadas na inveja. A inveja é um dos fatores mais destrutivos dos relacionamentos, pois indica o desejo de poder, de posição, e acaba por levar à política; ambas estão intimamente relacionadas. O funcionário, na sua tentativa de se tornar o gerente, acaba por se tornar um agente criador da política de poder que produz guerra; sendo assim, indiretamente ele é responsável pela guerra.
     Por que a sociedade estará entrando em colapso, desmoronando como é certamente o que está ocorrendo? Uma das razões fundamentais é que o indivíduo - você - deixou de ser criativo. Deixe-me explicar o que quero dizer. Você e eu nos tornamos imitadores, estamos copiando, interior e exteriormente. Exteriormente, quando aprendemos uma técnica, quando nos comunicamos uns com os outros em nível verbal, naturalmente tem que haver certo grau de imitação ou de cópia. Eu copio palavras. Para se tornar um engenheiro, preciso inicialmente aprender as técnicas e, a seguir, usar a técnica para construir uma ponte. Deve haver certa dose de imitação, e de cópia nas técnicas exteriores, mas quando existe imitação interior, psicológica, certamente deixamos de ser criativos. Nossa educação, nossa estrutura social, nossa chamada vida religiosa, todas elas se baseiam na imitação; ou seja, eu me encaixo em determinada fórmula social ou religiosa. Deixei de ser um indivíduo real; psicologicamente, tornei-me uma mera máquina repetidora, com certas respostas condicionadas, sejam elas budistas, cristãs, hindus, alemãs ou inglesas. Nossas respostas são condicionadas de acordo com o padrão da sociedade, seja ela oriental, ocidental, religiosa ou materialista. Assim uma das causas fundamentais da desintegração da sociedade é a imitação, e um dos agentes desintegradores é o líder, cuja verdadeira essência é a imitação.
     Para que possamos compreender a natureza da sociedade em desintegração, não será importante indagar se eu e você, se o indivíduo, pode ser criativo? Podemos perceber que quando existe imitação existe desintegração, quando existe autoridade existe cópia. E já que toda a nossa constituição mental e psicológica se baseia na autoridade, para que possamos nos tornar criativos é preciso que nos libertemos da autoridade. Não terão vocês notado que nos momentos de maior criatividade, naqueles momentos realmente felizes de interesse vital, não existe o senso de repetição e não sentimos que estamos copiando? Esses momentos são sempre novos, diferentes, criativos e felizes. Vemos, assim, que uma das causas fundamentais da desintegração da sociedade é a cópia, e a adoração da autoridade é isso.

( Sobre o Viver Correto - Edit. Cultrix - págs.
28 a 31 )
J. KRISHNAMURTI
Enviado por Tânia de Oliveira em 28/09/2014


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