Minha Casa...Minha Alma...

Viagem com Tânia por um mar desconhecido...

Textos


UM AMOR  QUE NASCEU VIRTUAL
Por: Tânia de Oliveira
     Olhando pela janela do ônibus em movimento, os pensamentos param e dá lugar a apreciação da paisagem verde que desfila. Árvores altas, frondosas, com folhas de vários matizes, campos verdes com bois, bezerros e vacas comendo. E enquanto isso, toda vida animal percorre seu ritual cotidiano, como os sagüins pulando de galho em galho, os passarinhos voando e cantando, as lagartas virando borboletas coloridas ou simplesmente comendo folhas tenras.
     Yara viaja há horas rumo a uma cidade desconhecida, onde é esperada por um estranho com quem conversa a meses pela internet. Está curiosa, mas não apreensiva, pois confia no amigo ou namorado virtual de voz agradável, convincente. Tudo é aventura: a viagem, as emoções, a paisagem, as pessoas do ônibus, de tipo físico, linguagem e costumes diferentes. E la está ele, com a roupa da cor combinada, acenando simpático após a identificação da amiga. Aos abraços eles se cumprimentam enquanto ansiosos se olham confirmando a atração e afetividade que trocavam no chat por horas, diariamente.
     Sandro era um mineiro musculoso, alto, com excesso de peso, cabelo preto de gestos rápidos, decidido e de sotaque muito apreciado por Yara. Ela também era alta, magra, de ancas e cabelos grandes.
     Nascera em Cuiabá, mas tinha aparência estrangeira, pois o pai era chinês imigrante desde a segunda guerra mundial. Sua mãe brasileira, baixinha, não lembrava em quase nada a aparência física da filha caçula de olhinhos apertados lembrando a China. Ficou combinado que ela ficaria hospedada na casa dos pais dele onde voltou a morar desde que se separou de sua ex-esposa e filha.
     Todos já a esperavam e trocavam gentilezas por carta, mas mesmo assim Yara estava nervosa até ser recebida como uma amiga de muitos anos. Ficou num quarto de hóspede onde após um banho, dormiu afastando o enfado da viagem. Acordou e como se já fosse da família sentou-se a mesa de forma comunicativa tratando a todos com simpatia retribuída. Sandro não estava presente pois estava trabalhando na loja do pai. E assim passou-se a manhã de forma prazerosa com todos conversando como se fossem parentes ou conhecidos de longos anos.
     Neste clima Sandro encontra sua família às risadas ouvindo estórias da China como da bisavó baixinha, mas brava como um dragão que guardava a tradição com espadas e tudo. Era um clima apaixonante de harmonia. Senhor Lourenço, o pai, Dona Iza, a mãe, e Catinha apelido afetuoso de sua irmã mais velha Catarina. Esses eram os familiares de Sandro o querido de todos na família. Todos sabiam da história dessa amizade virtual. Iriam passar as férias de Yara juntos para se conhecerem melhor. Caso tudo desse certo começariam a se namorar.
     Em Cuiabá ficaram as duas filhas de Yara que desconheciam as razões da viagem da mãe sem que as levassem. Pela primeira vez tiveram que ficar com os avós paternos durante as férias de sua mãe sem uma explicação convincente. Sua mãe Yara, não tinha mais nem pai nem mãe. Apenas uma irmã que também havia viajado embora por poucos dias apenas. Embora que após os telefonemas ficaram tranqüilas achando que a mãe merecia sim umas férias... solteira sem filhas, sem ex-marido, sem ex-sogra ou até mesmo sem irmã.
     Estava Yara de olhos para o teto, em seu novo quarto pensando em tudo isso quando Sandro chamou-a para o jantar que esticaria para uma festa na praça, com exposição de trabalhos folclóricos estudantis. Era a primeira experiência de ficar juntos em público. Caminhavam alegres contando impressões das diferentes experiências que vivenciaram até que apareceu uma prima irreverente que saltou no pescoço de Sandro deixando Yara surpreendentemente incomodada. Após as apresentações, a prima Lúcia solteira, bonita, extravagante mostrou-se amiga, convidando os dois para no outro dia ir a um churrasco em sua casa a beira da piscina comemorando sua volta do mestrado.           Aceitaram se despedindo com muito afeto. A noite não fora de todo agradável para Yara. Achou um tanto quanto impertinente falar de seu desconforto com as expressões de afetividade na prima Lúcia mas suspirou aliviada quando Sandro falou de forma displicente sobre sua relação com a prima.      Despediram-se amigavelmente e Yara embora ainda cansada da viagem não conseguia conciliar o sono. Pensava em si, nele, nessa relação construída de forma tão incomum, no sentimento de posse quanto a prima e na caixinha de surpresa que é a forma como sentimos as coisas do coração. - Estaria eu com ciúme, pensava ela, ou apenas é um ridículo sentimento de posse, regado com a vaidade e a petulância? Mas, por outro lado, porque ele nunca havia falado sobre essa prima? Seria por falta de interesse ou por necessidade de esconder algum mistério não resolvido?           Passou então a rever suas posturas, seus sentimentos de insegurança. Seus relacionamentos amorosos foram marcados por traições, jogos e mentiras que a fizeram sentir-se vulnerável a se apaixonar novamente. E foi assim que conheceu Sandro. Numa sala de bate papo de Traídos. Ele também se mostrou desencantado com os relacionamentos que manteve e contava com alguém sincero que valesse a pena construir uma relação madura, mas sem fantasias, sem ilusões. Algo sólido, real, franco. Seriam bem honesto um com o outro acima de tudo!
     O outro dia começou desconfortável. Logo cedo quando acordou já encontrou a prima sorridente recebendo o carinho da “parentada”. Viera buscar toda a família para a festa e Sandro todo sorridente elogiava seu cabelo solto sobre os ombros. Coisa que ela retribuiu com um cheirinho no rosto do primo enquanto jogava os cachos loiros sobre seu nariz mandando que ele sentisse o cheiro do xampu. Todos acolheram a hóspede com o maior carinho. Sandro a fitava calado com o olhar percorrendo sorrateiro seu corpo da cabeça aos pés. Perguntou sobre como passou a noite e foi logo oferecendo o bolo de milho prato preferido de sua mãe. A prima Lúcia não desgrudava dele enquanto apressava todos para irem se instalar na caminhoneta. Yara foi só com Sandro em seu carro. Ele elogiou sua calça branca de licra colada, e sua blusa que realçava a cor de seus olhos cinza claro. Sentiu uma estranha onda de calor a percorrer seu corpo e um forte impulso de se jogar em seus braços.
      Mas logo se conteve ao vê-lo pegar no volante. A casa de Lúcia era de extremo bom gosto. Decorada em estilo rústico. Jardim imenso com enorme gramado e uma piscina retangular com água corrente vinda de uma fonte natural. O ambiente era agradável e sua família perfeita. Ótimos anfitriões. A única coisa que destoava de tudo isso era o jogo de sedução de Lúcia ao abordar o primo Sandro. Pelo menos na interpretação de Yara. A festa estava descontraída todos tomando seus aperitivos, ouvindo música, quando Sandro pediu licença a Yara e sumiu por algum tempo. Esta aproveitou para vestir sua roupa de banho que lhe fez chamar a atenção de um convidado amigo de Lúcia. O rapaz pediu para ser apresentado e logo encontrou uma forma de mostrar seu interesse. Yara respondia as perguntas de forma discreta e dava mergulhinhos cuidando para que seus cabelos não molhassem. Nisso Sandro aparece com os olhos inquietos procurando por ela. Quando o viu a sua procura fez um aceno o que surpreendeu o parceiro ao vê-la na piscina. Sentou-se e ficou a observar sério a conversa fervorosa dela com o amigo Matias.      Yara estava inebriada com os goles de vodca que bebera e começou a nadar como se fosse uma sereia querendo encantar os pescadores. E encantou mesmo. Pelo menos a dois pescadores. Sandro chegou até a borda da piscina oferecendo um toalhado: - Yara venha... Não está com frio? - Ah, sim, obrigada, disse se aproximando e perguntando: - Conhece o Matias? - Claro que sim, somos velhos amigos e pelo que vejo vocês já foram apresentados um ao outro! - Ah, claro que sim, respondeu Matias, Lúcia me apresentou sua amiga da net. Ou seja, sua amiga virtual! Uma linda sereia ou uma pequena gueixa? - Nem uma coisa, nem outra, respondeu Sandro! Ela é uma simples mulher normal, brasileira de Cuiabá! Ver lá, gente fina, legal! - Opa, não duvido. Foi só uma metáfora. Quanto tempo ela ficará conosco? - Ficará o tempo que quiser mas se me der licença vou acomodá-la para se secar...vem Yara, por favor? - Vou sim! E seguiu o amigo sob o olhar de admiração e apreciação de Matias sobre a performance de sua imagem. Ao se voltar para acolher a amiga e embrulhá-la no roupão, Sandro mostrou-se perplexo sobre a escultura do corpo perfeito que via a sua frente. Suspirou discreto e não teve como não elogiar a amiga. _ Poxa nunca pensei que fosse tão linda, tão completa! Ela agradeceu discreta pedindo mais um aperitivo, e teve toda a atenção de seu par que não disfarçava sua apreciação.
     Mas a festa e as surpresas apenas haviam iniciado. A banda iniciou um show dançante e Lúcia puxou o primo para dançar seguida de aplausos dos presentes e desapontamento de Yara que ficou revoltada com as investidas da prima já semi alcoolizada. Matias aproveitando a situação chamaou Yara pra dançar e ela se recusa dizendo que gostaria de dançar apenas com Sandro, pois estava apaixonada por ele. Matias agradeceu a honestidade dela e discretamente cochichou algo no ouvido de Sandro enquanto tomava Lúcia dos braços dele.
     Sandro encontrou Yara no jardim, vagando triste. Calado, surpreendeu abraçando-a por trás e sussurrando em seu ouvido: - Quer dizer que só quer dançar comigo? Está apaixonada de verdade por mim? Diz querida que isso é verdade! Yara voltou-se apertada naqueles braços acolhedor e com a respiração bem ofegante sob seus olhos respondeu feliz: - Sim querido, só quero dançar com você... estou apaixonada e também estou feliz por estar nos teus braços! Naquele instante uma música embriagadora completou a magia. enquanto ele abria os lábios dela num beijo apaixonado como ambos ensaiaram tantas vezes virtualmente. Agora o virtual concretizou-se na realidade. O sabor daquela língua procurando a umidade, o gosto dela, o toque, o movimento... foi acontecendo ... e o encanto se fez presente! O que era virtual passou a ser visceral... o que era ilusório, criativo, passou a ser real!
Tânia de Oliveira
Enviado por Tânia de Oliveira em 23/08/2014
Alterado em 28/03/2015


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